quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Série Redações: A sétima arte construindo a liberdade

             Antes dos irmãos Lumière os encontros entre as pessoas se limitavam aos passeios na praça principal. Quando da volta para casa, se a audácia permitisse, iam de mãos dadas. Todos eram observados e todos se vigiavam. As pessoas se interagiam quase numa comunhão total entre vizinhos de uma determinada localidade. Não havia o escondido por não haver onde se esconder. Os olhos vigilantes seguiam os passos, as mãos, as bocas... Tudo deveria estar no lugar. Cerceavam até o livre pensamento, castrando inclusive a imaginação.

            O cinema mudou a dinâmica dessas relações. Agora os casais, por exemplo, iam ver um filme e estavam livres da vigilância recriminadora dos vizinhos. Sentiam-se a vontade para receber e dar carícias. O escuro da sala de projeção desencadeava uma desinibição outrora inexistente. Ir ao cinema se tornou sinônimo de namorar, de congregar com os amigos, e assim, as poltronas ocuparam o lugar dos bancos das praças. Assistir a filmes, e mais, esses próprios, revolucionou o modo de agir da sociedade.

            Nas salas de cinema a interação entre as pessoas é mediada pelas regras da boa convivência, é prudente não atrapalhar os demais. Isso, contudo, não impede que os filmes influenciem os que lho assistem. Costumes, roupas, jeitos de falar, concepção de mundo, tenta-se imitar o que é visto na obra fictícia. A comunhão, por vezes hipnótica, extrapola o ambiente das salas, o planeta passa a ser o limite da agregação. Os lançamentos são eventos globais e todos conhecem os heróis dos filmes, todos se vestem, falam, se comportam como os personagens, numa homogeneização planetária..

            Vejam os exemplos de Star Wars e Harry Potter: na década de 1970, ser Darth Vader ou Luke Skywalker era a sensação do momento. Todos tinham ou queriam ter seu sabre de luz; se despediam proferindo a famosa frase "Que a força esteja com você". O mundo, atualmente, se volta para o bruxo adolescente órfão que luta contra o malvado Voldemort. Mais uma vez somos tragados pela estética e modismos do cinema. Todos, agora, querem ter os óculos redondos do protagonista, e é necessário que estejam colados com um pedaço de esparadrapo. A emulação precisa ser perfeita, por isso o detalhe é imprescindível.
            Ao abandonarmos a praça como local de encontro, abraçamos o mundo, um mundo cada vez mais interligado, carregado de fantasias e sonhos. E apesar do espaço fechado das salas de cinema, ganhamos liberdade, somos livres para sermos, mesmo que na imaginação, quem quisermos e fazermos tudo que o escurinho, e nossa mente, nos permitir.

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